quinta-feira, 9 de dezembro de 2010


Ligia Dabul nasceu e vive no Rio de Janeiro. É antropóloga, pesquisadora e professora da Universidade Federal Fluminense, onde escreve e desenvolve pesquisas em Antropologia da Arte. Tem poemas publicados em jornais e revistas literárias do Brasil e de outros países. Publicou em 2005 o livro de poemas Som pela Editora Bem-Te-Vi (Rio de Janeiro); Algo do gênero, pela Arqueria Editorial - SP, em 2010 e recentemente (7/12/2010) Nave, pela Lumme Editor, na série Caixa Preta.


Três poemas de Nave


MISTÉRIO

Só as senhoras carregam guarda-chuvas

intactos quando chove no verão.

Muda tudo se o tempo muda e então

as janelas se fecham. Eu já não escuto

a chuva, o vento, o carro derrapando,

o estalo das varetas. Nem cigarras

vaticinaram isso! O que virá

dessas horas molhadas? E no entanto

senhoras e segredos aparecem

impecáveis. A tarde pelos vidros

passa. Crianças dizem que preferem

brincar nas poças. Pedem para andar

assim mesmo, sem nada. A vida tira

capas, tranca vidraças, guarda as águas.

PREAMAR

O Rio de Janeiro assa. Vai

chover. Meninas fervem pelas bordas.

Há quem voe no afã da fuga. Nada.

Mamíferas emergem dando corda:

não senti o arpão bífido daqueles olhos.

Nem me afastei de nenhum barco

por amor. A malina encobre meus

desejos incompletos. Pelo mar

delocam-se surpresas. Venta mais.

Vai chover e a cidade arde demais.

Experimento as bordas das meninas.

O pescador imita a minha cria

com gemido eletrônico. Confundo-me

com os gritos. Despeço-me de tudo.

ULTRALEVE

o vôo mais que pássaro

passagem

fora do corpo

pouso durante o espaço

não é nada

nada

só que o coração pequeno

adivinha

o plano

dispara

uma pena

...